Minha namorada não gostava que eu esburacasse a manteiga no café da manhã. O jeito certo, para ela, era raspar sempre uma fina camada do topo, para que ficasse fácil consumir o restante e deixar uma aparência melhor. Manteiga era coisa séria! Esquecer da regra e perfurar a barrinha amarela resultava em bronca certa e cara feia.
Eu achava que ela era louca por isso. Por que implicar com a manteiga?
Por outro lado, não me achava louco quando exigia veementemente que todos os ícones da área de trabalho do computador fossem agrupados em pastas. Nunca me achava doido por me incomodar de ter refrigerante servido em caneca de porcelana. Também não me achava louco quando brigava pelas facas estarem misturadas aos garfos nas gavetas.
Certa vez, fiz questão de acompanhar uma amiga em uma exposição, quando então minha namorada disse estar com ciúmes da situação. Não havia motivo, pensei, pois eu sou uma pessoa honesta e, afinal, era apenas minha amiga. Ao retornar do evento, ela estava bastante chateada, o que durou cerca de uma semana.
Eu achava que ela era louca por isso. Por que implicar com minha amiga?
Por outro lado, não me achava louco quando não queria que ela fosse ver os amigos da faculdade sozinha. Nunca me achava doido quando ligava só para saber se ela estava mesmo onde havia dito que iria. Também não era louco quando entrava em seu perfil pessoal para encrencar com as mensagens que ela recebia no mural.
A contradição é óbvia, mas se repete todos os dias. Ao invés de entendê-las como pessoas normais em sua complexidade de sentimentos, variações humor, emoções e dilemas pessoais, nós homens nos limitamos a rotulá-las repetidamente como loucas.
Mulher com ciúme? – É louca!
Mulher irritada? – Deixe de ser louca!
Mulher com manias? – Louca!
Mulher emotiva? – Louca!
Mulher insegura? – Loucura, mulherzisse!
Foi assim que aprendemos em casa, na TV, nos filmes, nos livros e até nos videogames: que uma mulher só não é louca se confiar plenamente em nós, fizer todas as nossas vontades e aceitar todos os nossos desaforos.
Todos nós acreditamos um dia que as mulheres eram frágeis e precisavam de um homem para as proteger e cuidar. Acreditando nisso, nós as tratamos assim, como cavaleiros protegendo donzelas, só para depois descobrir que elas não estavam felizes de estarem em uma relação onde eram tratadas como inferiores e dependentes. E então, novamente, as achamos loucas.
Chamamos tanto as mulheres de loucas que muitas se convencem disso. E usamos isso contra elas. Quando dizemos que elas são loucas, estamos fazendo muito mais do que ofendê-las, nós estamos tirando sua voz: com louco não se discute.
Amadurecer foi mais do que perceber que se esburacar a manteiga a incomodava, então seria gentil da minha parte me esforçar para evitar. Foi mais do que aprender que ignorar aquilo que incomoda os outros é rude e demonstra desprezo.
Foi mais do que perceber que os ciúmes dela não eram sobre mim, sobre minha amiga ou sobre meu caráter, mas sim sobre seus próprios sentimentos e necessidades que eu não buscava compreender.
Amadurecer foi mais do que perceber que as mulheres não são frágeis e não precisam que eu as proteja.
O amadurecimento foi perceber que ela nunca foi louca.
Quem estava louco era eu.
Autor: Diego Quinteiro | http://diegoquinteiro.com/